Restaurante em Tiradentes atrai clientes de todo o país com culinária mineira de raiz
Receitas autorais do ‘Restaurante da Beth’ têm nomes sugestivos como trem bão, misturinha chocante ou bocadinho de gostosura

Um helicóptero sobrevoando a Serra de São José, cartão postal da histórica Tiradentes, pode ser indicativo da chegada de mais uma turma de clientes. Isso porque a cozinha de Beth Beltrão vem conquistando fãs em todo o Brasil há 25 anos, a partir de uma marca registrada: o preparo de refeições fiéis às tradições da culinária mineira de raiz. “É comum receber amigos que vêm do Rio, São Paulo, BH e de outros lugares só para almoçar por aqui”, conta ela, que faz questão de manter as portas do Restaurante Viradas do Largo abertas todos os dias, com exceção das terças-feiras.

Os que chegam estão em busca de receitas de origem simples, cotidiana para os mineiros, a exemplo de frango ao molho pardo, com quiabo ou ora-pró-nobis, tutu ou tropeiro. Mas encontram muito mais. A fama de Beth vem do preparo de pratos que respeitam a essência da culinária da terra. Ela pesquisa e cultiva em horta própria a maior parte dos ingredientes utilizados, preza tudo o que é orgânico e oferece o prazer da degustação sem pressa, brincando com as sensações e emoções do comensal até mesmo ao nomear as receitas. “Não sou de criar um cardápio de A a Z. Há opções fixas, na linha tradição e fidelidade, e há oito anos venho trabalhando a mineiridade em pratos individuais, mas nada xexelentos”, registra. Entre eles há o trem bão (arroz, feijão, farofa, mandioquinha frita e carne serenada), o misturinha chocante (mexidinho com peito de frango grelhado, lâminas de amêndoas, ninhozinho de couve e três ovos de codorna), o bocadinho de gostosura (filé alto, espaguetinho de cenoura, bacon envolvendo quiabo frito no shoyo, miniarroz branco e vermelho), o lombo ocupado (versão individual do tutu), entre outros. “O nome da receita vem do telefone ocupado, que faz tutututu. É uma poesia de bobagem, faço para desacelerar o povo que vem aqui”, justifica, sem disfarçar o sotaque “minerim, carregadim” mesmo.

O restaurante de Beth é um dos mais antigos e tradicionais da cidade. Ela conta que conheceu Tiradentes durante um passeio, em 1990. De tão apaixonada pelo lugar, decidiu fixar residência e lá desenvolver um antigo hobby testado em família, durante os almoços de domingo na casa da mãe: a culinária. Soube da venda de um imóvel e não pensou duas vezes para iniciar os trabalhos. Naquele início, não era nem de longe a cozinheira versada dos dias atuais, mas ainda assim fez freguesia com a oferta de um tipo de felicidade comestível, baseada no desejo do freguês. “Tinha noção da cozinha, mas não de todo o conjunto. Aprendi na marra, sem criar um cardápio. Quando o cliente chegava, eu perguntava o que ele estava com vontade de comer. Com o tempo aprendi muita coisa, inclusive no livro Bê-à-bá da cozinha: Vovó sinhá, e mais ainda com a Maria Estela Libânio Christo, pessoa que agregou muita coisa na minha vida e contribuiu para que eu me transformasse na cozinheira que sou hoje”. Beth nunca fez um curso formal de gastronomia, mas é cozinheira oficial do Terra Madre (movimento slow food da Itália) e viaja pelo Brasil e pelo mundo para ministrar cursos e palestras. Além das receitas, produz linguiça, sorvetes, geléias, serena a carne, pesquisa e cultiva ingredientes.

Ritmo slow-food
Se não está na cozinha, Beth pode ser encontrada na horta, área onde planta mais de 90 itens, muitos garimpados em processos de pesquisa e resgate culinário. “Tenho mangarito (tubérculo muito rico, semelhante ao açafrão-da-terra, gostoso e bom para a saúde), mandioca vermelha (há mais de1,5 mil qualidades de mandioca, e só conhecemos a branca ou a amarela), batata de polpa roxa e batata-doce cor de laranja (trazida de Montevidéu, Uruguai)”, destaca. Há, ainda, tomate de árvore, alho-de-folha, jiló (também trabalhado quando maduro). “Gosto de oferecer comidinhas, aquelas que fazem o cliente ficar feliz. Na minha concepção, isso é muito mais importante do que servir comida chique, xexelenta. Muitas vezes gosto de comer angu com carne moída, e pronto”, afirma.
A valorização dos ingredientes simples (porém bem trabalhados) e o ritmo slow food de Beth conquistaram a freguesia, que se mantém fiel. Tanto que a casa, com capacidade para 90 pessoas vive cheia, principalmente nos fins de semana e feriados.
Para quem não conhece, vale registrar que Beth também agrada aos que não comem carne com a oferta do mineirinho pomposo (bacalhau, purê de batata com açafrão, couve crua e abafada, arroz com alho e azeitonas). ´É craque no preparo do famoso leitão à pururuca e participa da Associação dos Restaurantes da Boa Lembrança. Apesar de sucinta, a carta de sobremesas da casa prima pelo uso de ingredientes orgânicos e pelo preparo artesanal: ovo capiria para a ambrosia, lima colhida no pé para a compota, sorvete de queijo canastra servido com goiabada quente, tudo feito lá mesmo. “A cozinha tem que estar dentro de você. Não pode funcionar de forma mecânica, como receita de bolo, mas sim com base na emoção, a exemplo do que se vê em uma orquestra.”

RECEITA
MISTURINHA CHOCANTE
Ingredientes :
3 ovos de codorna cozidos
4 colheres de sopa de óleo
1 colher de sopa de alho processado
1 colher de sopa cheia de sal
1 colher de sopa bem cheia de cebola em cubos
1 escumadeira cheia de arroz branco cozido
2 colheres de sopa de manteiga de leite com sal
15g de lâminas de amêndoa
1 colher de sobremesa rasa de passas
2 colheres de sopa de milho verde
2 colheres de sopa de couve picada fininha
1 colher de farinha de mandioca torrada do Morro Alto
100g de filé de peito de frango em cubos temperado com alho e sal
1 colher de sopa de cheiro verde picadinho.
Modo de fazer:
Em uma frigideira, coloque uma colher de sopa de manteiga, deixe derreter e acrescente a amêndoa laminada para dourar. Separe. Nessa mesma frigideira, coloque o milho verde dando só uma passada na manteiga. Separe. Em outra frigideira, coloque um fio de óleo para dar uma grelhada no peito de frango em cubos. Cozinhe os ovos de codorna e descasque. Separe. Coloque em uma frigideira quatro colheres de sopa de óleo e o alho processado. Deixe dourar. Acrescente a cebola em cubos, mexa, acrescente o milho, o cheiro-verde, as passas, o arroz, o peito de frango, a farinha, mexendo sempre. Refogue a couve picadinha rapidamente em uma colher de manteiga (só o tempo de um susto). Para servir, coloque a misturinha, faça um ninho no centro com a couve e, em volta, coloque as amêndoas laminadas e ao centro os ovinhos de codorna.
Fonte: Laura Valente – Estado de Minas Publicação